
EMPREGO ESTRATÉGICO DO PODER AÉREO COERCITIVO: UMA FERRAMENTA POLÍTICA EFICAZ NO BOJO DA COERÇÃO MILITAR
Para o bem ou para o mal, a Força Aérea é atualmente a expressão máxima do poderio militar, e as Esquadras e Exércitos, ainda que necessários, terão que aceitar uma posição subordinada. (Sir Winston Spencer Churchill)
Teórica e genericamente, a exposição de um oponente racional à opção estratégica coercitiva preconiza o emprego de ataques simultâneos ou paralelos a um conjunto planejado de alvos, de modo amplo, intenso e momentâneo. Visa a suplantar a fronteira de custo aceitável pelo adversário.
Em tese, esses ataques coagiriam a liderança hostil a acolher as reivindicações e a modificar sua política ou, pelo menos, revê-la. O fato induz esses líderes políticos mediante a consignação real de uma certa paralisia ao sistema, além da possível determinação de estagná-lo totalmente ou, ainda, a mera ameaça da ocorrência de completa paralisia do conjunto (o ente sistêmico). Implica, também, uma análise interna de relação custo-benefício.
Concebem-se, assim, diferentes níveis de ameaça e de real aplicação da força. Em face dos objetivos políticos pretendidos e do estado final desejado, deve-se selecionar uma eficaz alternativa, para cada caso concreto, ao longo de um contínuo de estratégias coercitivas possíveis.
No livro “Bombing to Win: Air Power and Coercion in War”, Pape faz rara análise, por meio de quarenta estudos de caso e com ênfase em cinco campanhas aéreas, onde lista quatro estratégias de emprego coercitivo do poder aéreo: Punishment (punição), Risk (risco; é similar à de punição, porém age de modo gradual), Decapitation (decapitação) e Denial (negação).
Segundo o Doutor Pape,somente a Estratégia de Coerção por “Negação” de fato funcionaria e essa seria o único caminho ao sucesso. Para Pape, o ataque aéreo de cunho estratégico não é eficaz para coagir o rival. Sob essa acepção, veja-se o apêndice com nove casos.
A Estratégia de Coerção por “Decapitação” (que visa a atingir comando e lideranças) não tem obtido o sucesso desejado. Pape usa os exemplos das operações Eldorado Canyon (tentativa da USAF, em 1986, de atingir o Coronel Muammar Kadafi com o bombardeio de Trípoli e de Benghazi), Allied Force (tentativa da USAF e seus aliados na OTAN, em 1999, de matar o Presidente sérvio Slobodan Milosevic) e Desert Storm (tentativa da USAF e da coalizão, em 1990-1991, de neutralizar o Presidente iraquiano Saddam Hussein, que somente foi encontrado, em 2003, por forças especiais dos EUA). O líder político ou militar sobreviveu aos ataques aéreos em todas as situações exemplificadas pelo cientista político estadunidense.
A Estratégia de Coerção por “Punição” visa a levar o caos e o horror à população civil, como teorizou Douhet. Contudo, há casos exemplificativos, como a Batalha da Inglaterra, os ataques à Líbia (1986) e ao Iraque (1990), em que não se angariou esse intuito, visto que o moral do povo permaneceu incólume depois de levadas a cabo essas ações bélicas coercitivas.
A Estratégia de Coerção por “Negação” opera, em tese, pelo uso dos meios militares para prevenir que o oponente racional obtenha seus objetivos políticos e suas metas de aquisição (ou expansão) territoriais.
A Estratégia de Coerção por “Risco” implica um processo gradual de exposição ao perigo de ataques e objetiva a mudança de comportamento do opositor. Conduzem-se as operações militares de modo a modificar, paulatinamente, a posição inicial de líderes nacionais do rival, mediante a submissão do elemento psicossocial do Poder Nacional à coerção eficaz.
Porém, Pape alerta para o risco de creditar-se o total sucesso ao emprego estratégico do poder aéreo coercitivo, isoladamente, a fim de atingir os fins políticos. Segundo Pape, empregar as forças armadas, conjunta e combinadamente, é a forma ideal e mais eficaz de coerção militar. Na suposição de Pape, a eficácia reside na união sinérgica de esforços e na interoperabilidade entre as Forças Armadas, visando a persuadir o inimigo a não realizar um ato hostil ou a coagi-lo a retroagir depois de tê-lo começado.
Há duas facetas na coerção militar, sendo um aspecto ativo, no qual há a explícita imposição da vontade de quem coage, e outro de negar uma ação antes de ocorrer. Então, Pape formula proposições sobre o sucesso das estratégias de coerção e conclui que “nenhuma estratégia coercitiva provavelmente terá êxito sob todas as circunstâncias”.
Portanto, pode ser provável que cogitar apenas a utilização de uma estratégia coercitiva (como e.g. só a negação) não redunde em eficácia (política e militar). Em contrapartida, a combinação de duas ou mais estratégias possa trazer a eficácia necessária para o estado final desejado ser obtido.
O Coronel (da reserva da USAF) John Warden III valoriza a estratégia coercitiva da “Decapitação”, pois enfatiza que o anel do comando é o mais importante na guerra moderna. Por sua vez, o Doutor Pape incorpora a ideia de que a melhor estratégia coercitiva se concretizada pela “Negação”, pois as lideranças estão muito bem protegidas (elas são de difícil acesso).
Robert Pape não esquece que a combinação de duas ou mais estratégias pode produzir, sinergicamente, incremento à eficácia do poder aéreo. Warden argumenta que o uso estratégico do poder aéreo é vantajoso, enquanto Pape afirma que somente vale o esforço de usar o poder aéreo, no nível teatro de operações, se de modo tático-operacional e em operações combinadas (ou operações conjuntas).
Conforme Pape mostra por evidências históricas, o poder militar não atinge, por si só, a vitória final com o uso único e independente do poder aéreo. As operações conjuntas delineiam o modo eficaz de emprego bélico pela real sinergia que impõem. O poder aéreo pode chegar à obtenção da superioridade aérea, a qual concede subsídios (e proteção) em termos de liberdade de ação às tropas terrestres e anfíbias, a fim de conquistarem e manterem o terreno invadido e concretizarem a lide da beligerância.
A inerente característica de velocidade da arma aérea constitui-se em outro atributo primordial para levar a termo estratégias coercitivas, pois há a compressão do fator tempo em épocas de manobra de crise e uma ação eficaz do poder aéreo pode evitar a escalada da violência.
Para Pape, o poder aéreo adquire um real valor estratégico, visando à eficácia política na guerra, se atuar, em interoperabilidade com os demais poderes militares, por operações conjuntas e não por ataques cirúrgicos ou, menos eficazes ainda, por bombardeios estratégicos como se efetuou na Guerra do Vietnã por determinação de esferas políticas.
Sob esse enfoque, há ensinamentos colhidos em recentes conflitos armados que corroboram esse juízo de valor. Têm-se as lições identificadas nos Bálcãs, principalmente na Campanha do Kosovo, no Afeganistão, em 2001, e na segunda Guerra do Golfo: a Operação Liberdade para o Iraque. Nesses conflitos armados, os planejadores militares idealizaram o emprego eficaz do poder aéreo coercitivo como instrumento para minimizar custos, vítimas civis (danos colaterais) e avarias irrecuperáveis à infraestrutura inimiga.
No Kosovo, os estrategistas enfatizaram a arma aérea e previram uma guerra relâmpago, sem tropas de terra. Preteriram de elemento-chave ao sucesso na guerra: a sinergia advinda da interoperabilidade nas operações combinadas por múltiplas configurações de forças armadas de países diversos.
Portanto, um comando combinado (e, da mesma forma, um comando conjunto) pode traduzir, em parte, a concepção de Pape, cujo foco imprime a ideia de que o melhor uso do poder aéreo seria fornecer condições de liberdade de ação e conceder sustento às ações das forças de superfície.
O cientista político fundamenta o cerne da argumentação na estratégia da coerção, na qual um ente estratégico, a expensas de resistir, conclui que, na relação custo versus benefício, não há compensação e resolve retroceder na escalada de tensões, crises, conflitos e instabilidades político-estratégicas.
Pape garante que o poder aéreo pode, por meio da coerção, compelir o inimigo a fazer o que se deseja que ele faça ou rever os seus objetivos políticos e evitar, na ótica do espectro dos conflitos (quadro 1- vide parteII desta matéria), o uso massivo de força.
Warden e Pape, advogados da arma aérea, realçam a importância do pensamento estratégico acerca do mais apropriado emprego do poder aéreo, na busca incessante dos fins políticos, pela máxima eficácia da arma aérea.
Como inferir o melhor emprego do poder aéreo, para a consecução dos propósitos da guerra, que, para Clausewitz, são sempre os fins políticos?
Para o cientista político Robert Pape, o uso tático-operacional por intermédio de operações conjuntas é eficaz. O Coronel Warden postula: se por meio da “guerra em paralelo” pode-se chegar à paralisia estratégica do opositor, então o emprego de mais eficácia deve ser estratégico e coercitivo.
Qual a real validade de empregar-se o poder aéreo, na opção da coerção, e que relevância prática ele tem em um contexto de guerra moderna?
Primeiro, para buscar respostas a esse questionamento se faria mister uma pormenorizada análise da evolução histórica da arma aérea e, também, o entendimento de como o poder aéreo coercitivo pode influenciar a conduta do inimigo em tempo de crise e abreviar o estado final esperado com uma guerra.
A análise da evolução histórica da arma aérea não se constitui em objetivo deste estudo, tampouco a elaboração de uma súmula histórica.
Da fórmula advinda do pensamento teórico de Robert Pape, pode-se inferir que a relação, entre os custos percebidos pelo oponente e os benefícios advindos com determinada ação bélica, pode for negativa e tornar eficaz a coerção militar. Esse fato acontece se os custos forem distinguidos como maiores do que os benefícios. Então, a vontade do inimigo de resistir diminui a valores negativos e, por conseguinte, presume-se que esse adversário possa redarguir em ações iniciadas ou repensar as intenções relativas às iminentes ações bélicas como, e.g., planejamentos de invasão territorial ou de conquista.
Concernente aos objetivos políticos da guerra, Clausewitz adverte que “Ninguém inicia uma guerra ou, antes, ninguém em juízo perfeito deveria fazê-lo – sem primeiro ter claramente em seu pensamento o que pretende alcançar com essa guerra e como tem intenção de levá-la a efeito.”
Nesse mesmo sentido do pensar clausewitziano, a vigente Doutrina Básica da Força Aérea Brasileira sinaliza os rumos a trilhar e as explicações necessárias para se responder ao questionamento principal deste estudo:
A guerra é geralmente o último recurso, quando falham todos os outros meios não violentos para resolução de pendências. Embora a guerra não substitua outras medidas, sendo apenas um meio adicional, historicamente, tem havido guerras provocadas para distrair a atenção sobre fenômenos sociais e econômicos. Tais episódios, característicos das sociedades não democráticas, mas que também ocorrem naquelas que o são, representam um instrumento da Política.
Pape afirma que “o fim da Guerra Fria reduziu maiores ameaças à segurança nacional dos EUA e de outros países ocidentais”. O professor da Universidade de Chicago se alinha à atual visão norte-americana e assevera: “o problema da Guerra Fria era a dissuasão”, enquanto “na era do pós-Guerra Fria é a coerção”, pelo menos, para os EUA e seus aliados. Os atentados do “11/09”[8] poderiam levar Pape à reflexão acerca disso e questionar o real valor coercitivo do poder aéreo quando se enfrenta um oponente racional sob um contexto de “Guerra de Quarta Geração”, ao invés de uma guerra convencional contra forças armadas regulares de estado-nação no contexto de um teatro de operações militares numa guerra convencional.
Fonte: Jornal Defesa e Relações Internacionais (JDRI)
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