
O Irã fez nesta segunda-feira uma aparente concessão envolvendo o seu programa nuclear, mas grandes potências permaneceram céticas em relação ao acordo mediado por Brasil e Turquia, e analistas acham que o fato não resolverá a divisão internacional acerca desse assunto nem evitará a adoção de novas sanções da ONU a Teerã.
O governo iraniano concordou com a proposta do Brasil e da Turquia para o envio de parte de seu urânio ao exterior em troca de combustível nuclear enriquecido a 20 por cento para uso num reator de pesquisas médicas.
O Irã já sofreu três rodadas de sanções da Organização das Nações Unidas (ONU) por causa do seu programa nuclear, apesar de insistir no caráter pacífico de suas atividades.
A proposta assinada em Teerã foi feita no ano passado pela ONU sob a premissa de que o Irã abandonaria o enriquecimento de urânio e ficaria mais distante de purificar o material radiativo até o grau necessário para o uso em armas.
Mas, após anunciar o acordo com Brasil e Turquia, o Irã informou que não pretende abandonar suas atividades de enriquecimento de urânio.
"Não há relação entre o acordo de intercâmbio e as nossas atividades de enriquecimento", disse à Reuters o diretor da Organização de Energia Atômica do Irã, Ali Akbar Salehi.
Ele afirmou a uma TV local, no entanto, que o acordo seria um passo na direção da cooperação nuclear e de "impedir sanções."
O Irã começou a enriquecer urânio com 20 por cento de pureza em fevereiro. Para o uso em armas nucleares, o enriquecimento precisa chegar a 90 por cento.
A Casa Branca disse que o Irã precisa dar outras provas do caráter pacífico do seu programa atômico. "Diante do repetido fracasso do Irã em cumprir seus próprios compromissos (...), os Estados Unidos e a comunidade internacional continuam tendo sérias preocupações", disse um porta-voz. "Acho que estamos fazendo um sólido progresso a respeito de uma resolução com sanções."
Um porta-voz do Departamento de Estado norte-americano disse que Washington mantém o desejo de "se envolver com o Irã em qualquer lugar, a qualquer momento, desde que o Irã esteja preparado para tratar as preocupações da comunidade internacional a respeito do seu programa nuclear." Esse porta-voz disse que, enquanto isso, os EUA continuarão buscando novas sanções.
O chanceler turco, Ahmet Davutoglu, qualificou o acordo como um "histórico ponto de inflexão" na crise. Ecoando declarações do Brasil, o primeiro-ministro Tayyip Erdogan disse: "Minha expectativa é de que após esta declaração não haja mais a necessidade de sanções."
TÁTICA PROTELATÓRIA?
A Grã-Bretanha afirmou que a preparação de novas sanções da ONU deve continuar, e que a adoção do acordo pelo Irã "pode ser apenas mais uma tática protelatória", segundo o secretário (ministro) de Relações Exteriores, William Hague.
A Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA, um órgão da ONU) tampouco se manifestou. Diplomatas disseram em Viena, onde fica a sede da agência, que aparentemente a AIEA não foi informada sobre os detalhes do acordo, anunciado em Teerã durante visita do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
A França indicou que o acordo não vai resolver as principais questões.
"Não nos enganemos, uma solução para a questão (da troca de combustível), se acontecer, não fará nada para resolver o problema representado pelo programa nuclear iraniano", disse a chancelaria em nota.
O presidente russo, Dmitry Medvedev, manifestou preocupação semelhante. "Uma questão é: será que o Irã vai ele próprio enriquecer urânio? Até onde entendo por funcionários daquele Estado, tal atividade será continuada. Nesse caso (...), essas preocupações que a comunidade internacional tinha antes continuariam."
Medvedev discutiu por telefone o assunto com Lula e "avaliou positivamente os esforços conjuntos do Brasil e da Turquia para promover uma solução política e diplomática para o problema nuclear iraniano", segundo comunicado do Kremlin.
"Depois disso, precisamos decidir o que fazer: as propostas são suficientes ou é preciso algo mais? Então acho que uma pequena pausa nesse problema não faria mal nenhum", afirmou.
Os Estados Unidos têm liderado a mobilização internacional por novas sanções, e precisam conquistar especialmente o apoio de China e Rússia, que têm poder de veto no Conselho de Segurança da ONU.
Analistas disseram que o acordo desta segunda-feira poderá ajudar o Irã a evitar uma quarta rodada de sanções, além de permitir que o regime reafirme sua autoridade internamente, após vários meses de distúrbios desde a eleição presidencial de junho.
Um porta-voz da Comissão Europeia declarou que o acordo pode ser um passo na direção correta, mas que ainda é preciso avaliar os detalhes.
NEGOCIAÇÃO COM LULA
Lula fechou o acordo em Teerã junto ao presidente iraniano, Mahmoud Ahmadinejad, e o primeiro-ministro turco, Tayyip Erdogan, após várias horas de negociações, segundo a imprensa estatal iraniana.
Turquia e Brasil são membros não permanentes (sem direito a veto) no Conselho de Segurança.
O Irã disse que se comprometeu a entregar dentro de um mês 1.200 quilos de urânio baixamente enriquecido à Turquia, para receber, dentro de um ano, 120 quilos de urânio enriquecido a 20 por cento, para uso no reator de pesquisas.
Antes, o Irã insistia que a troca fosse simultânea, e que acontecesse em seu território.
"O Irã manifestou sua disposição em depositar seu urânio baixamente enriquecido dentro de um mês. Com base no mesmo acordo, o Grupo de Viena entregaria 120 quilos do combustível exigido no reator de pesquisas de Teerã em não mais que um ano", disse a declaração conjunta dos três países.
Um porta-voz da chancelaria iraniana, Ramin Mehmanparast, disse que o urânio iraniano enviado à Turquia ficará sob supervisão da AIEA, que será notificada do acordo dentro de uma semana.
Ahmadinejad pediu aos cinco membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU, Estados Unidos, Rússia, China, França e Grã-Bretanha e à Alemanha, que também participa da discussão de novas sanções, que reabram negociações com o seu país.
"Eles deveriam saudar o grande evento que ocorreu em Teerã e se distanciarem da atmosfera de pressão e sanções para criar uma oportunidade para a interação e a cooperação
Fonte: Reuters
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