sexta-feira, 7 de novembro de 2025

Brasil: soberania estratégica ou potência adormecida? Uma resposta ao editorial sobre política nuclear

O editorial recente que refutou a ideia de que o Brasil seria um “gigante nuclear refém” apresenta argumentos técnicos sólidos e destaca corretamente o avanço institucional, normativo e tecnológico de nosso país. Não há como negar: aderir voluntariamente ao Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares (TNP), ao Tratado de Tlatelolco e ao arranjo ABACC+AIEA é uma demonstração de credibilidade internacional e compromisso estratégico. Esses instrumentos funcionam como plataformas de confiança, permitindo acesso a tecnologia, parcerias e financiamento.

No entanto, reconhecer essa realidade técnica e institucional não invalida a análise de que o Brasil vive um paradoxo estratégico: possui tecnologia de ponta e capacidade latente, mas escolhe limitar sua autonomia plena por opção política e diplomática. A distinção é sutil, mas essencial: não se trata de “refém” no sentido de impotência absoluta, mas de um gigante consciente de seu poder, que opta por não explorar imediatamente todo o potencial de dissuasão que detém.

O editorial enfatiza corretamente que o ciclo completo de urânio ainda não está totalmente operacional, especialmente na conversão de urânio em UF₆. Essa observação é válida e demonstra que qualquer transição para capacidade militar direta exigiria tempo, recursos e planejamento. Porém, isso não elimina a questão central: o Brasil possui infraestrutura, conhecimento e projetos estratégicos, como o PROSUB e o desenvolvimento de submarinos nucleares, que conferem ao país uma capacidade latente de dissuasão que nenhuma outra nação sul-americana possui. O ciclo industrial completo é uma questão de continuidade e investimento, não de impossibilidade.

Quanto às comparações internacionais, é verdade que Irã, Coreia do Norte e Israel têm trajetórias distintas, com graus variados de ambiguidade e violação de regimes internacionais. Mas o ponto do artigo original não era equiparar trajetórias, e sim destacar escolhas estratégicas. O Brasil, por opção consciente, escolheu a obediência como ferramenta de credibilidade, mas isso também significa abrir mão de manobras de poder que outros atores nucleares exploram com eficácia. Em outras palavras, a soberania estratégica brasileira é construída dentro de um tabuleiro cuidadosamente regulado, mas ainda assim limitada no potencial de ação imediata.

A soberania estratégica, como bem lembra o editorial, não se reduz a “fazer tudo sozinho”. Concordamos plenamente: poder sem credibilidade pode ser perigoso, e rupturas abruptas podem trazer sanções, isolamento e custos elevados. No entanto, não há como ignorar que, no contexto global atual, a capacidade de decisão autônoma e de projeção de poder é uma dimensão que o Brasil deliberadamente mantém adormecida. A escolha de priorizar diplomacia e regras internacionais é estratégica, mas também é uma forma de auto-limitação.

Portanto, a discussão não é sobre a inexistência de capacidade, mas sobre a opção política de não militarizar. O Brasil não é refém de tratados, mas sim um país que decidiu colocar limites à própria soberania plena em nome de estabilidade e prestígio internacional. Essa é uma escolha consciente, ética e estratégica, mas que gera um paradoxo evidente: somos admirados por nossa disciplina e responsabilidade, mas não exercemos o poder que já temos.

O desafio do Brasil é, então, equilibrar credibilidade, ética e autonomia. Podemos continuar investindo em tecnologia nuclear, fortalecer o PROSUB e ampliar o conhecimento científico, mantendo a postura pacifista e responsável, mas ao mesmo tempo, refletir sobre como transformar capacidade latente em poder estratégico efetivo, mesmo dentro dos marcos legais e normativos.

A grande provocação que se mantém é clara: até quando o Brasil continuará a obedecer normas externas e limitar sua própria autonomia, mesmo possuindo todos os instrumentos para projetar soberania regional e global? O país construiu um arsenal de conhecimento, tecnologia e infraestrutura que o torna único no Hemisfério Sul. Reconhecer isso não é alarmismo; é analisar honestamente a diferença entre capacidade técnica e decisão política.

Em resumo, nosso país não é refém, mas tampouco é pleno protagonista. O Brasil escolheu uma rota de soberania consciente, com ganhos claros de credibilidade e parcerias estratégicas. Mas a pergunta que permanece, provocadora e necessária, é: até quando continuaremos a ser gigantes adormecidos, admirados pelo que temos, mas limitados pelo que escolhemos não usar?

O futuro estratégico do Brasil depende, acima de tudo, de uma reflexão sobre ética, poder e protagonismo. Cumprir tratados e fortalecer governança é essencial, mas saber quando e como jogar com todas as peças do tabuleiro global é o verdadeiro teste de soberania. O gigante brasileiro está acordando lentamente, resta decidir se terá coragem de realmente jogar.


por Angelo Nicolaci


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