A história da guerra aérea é pontuada por momentos de descontinuidade tecnológica radical, instantes em que doutrinas estabelecidas e investimentos de décadas se tornam obsoletos diante de novas realidades táticas. Estamos vivenciando um desses momentos; a transição não é meramente a substituição de uma fuselagem por outra mais aerodinâmica ou a introdução de um motor com maior empuxo; trata-se de uma redefinição fundamental da arquitetura de combate.
O paradigma centrado na plataforma, onde o desempenho individual do caça tripulado, sua velocidade, teto de serviço e taxa de curva definiam o vencedor, está cedendo lugar ao paradigma centrado na rede e na simbiose homem-máquina (Manned-Unmanned Teaming - MUM-T). Para o Brasil, uma potência média com ambições de liderança regional e responsabilidades imensas sobre o Atlântico Sul, compreender e adotar essa revolução é uma questão de sobrevivência estratégica.
A guerra aérea moderna evoluiu para um ecossistema complexo onde a letalidade é derivada da fusão de sensores, da resiliência das redes de dados e da capacidade de projetar “massa” de combate, de forma economicamente sustentável, a longas distâncias.
As operações recentes em teatros de conflito como o Cáucaso (Nagorno-Karabakh), o Leste Europeu (Ucrânia) e o Oriente Médio demonstraram inequivocamente que a superioridade aérea não é mais o domínio exclusivo de forças aéreas que operam plataformas de quinta geração proibitivamente caras, como o F-35 Lightning II. A emergência de sistemas não tripulados de combate ("drones", UCAV), operando em conjunto com caças tripulados ou em enxames autônomos, democratizou o acesso ao poder aéreo de precisão e criou novos desafios para as defesas antiaéreas tradicionais.
O Brasil se encontra em uma encruzilhada. A Força Aérea Brasileira (FAB) está recebendo os caças F-39 Gripen E/F, vetores muito modernos e de altíssima capacidade no campo da guerra eletrônica. Simultaneamente, a Marinha do Brasil (MB) busca redefinir sua identidade operacional após a baixa do NAe (navio-aeródromo, “porta-aviões”) São Paulo, centrando sua projeção de poder no Navio Aeródromo Multipropósito (NAM) Atlântico.
O desafio central para a doutrina militar brasileira nas próximas duas décadas será integrar esses ativos tripulados de alto valor com uma nova classe de sistemas não tripulados, os chamados “Loyal Wingmen” (Alas Leais), para garantir a defesa da soberania nacional sobre a Amazônia Azul e o espaço aéreo continental.
Neste artigo, vamos analisar cuidadosamente esse cenário. Não nos limitaremos a descrever as especificações técnicas das aeronaves; investigaremos as implicações doutrinárias, industriais e geopolíticas da adoção dessas tecnologias.
Um foco particular será dado aos parceiros fora do eixo tradicional OTAN/EUA/Europa Ocidental. Enquanto Washington e Bruxelas impõem restrições severas à transferência de tecnologias sensíveis (via ITAR e outros regimes de controle), nações como Türkiye, Israel, Emirados Árabes Unidos (EAU) e Coreia do Sul emergem como fornecedores pragmáticos e parceiros de co-desenvolvimento dispostos a compartilhar propriedade intelectual crítica. Analisaremos como o Brasil pode alavancar essas parcerias para saltar etapas no desenvolvimento de seus próprios sistemas autônomos, examinando casos de estudo como o drone turco Bayraktar Kızılelma, a integração do sistema Link-BR2 e a estratégia de mísseis do EDGE Group.
O Conceito de Superioridade Aérea na Era da Autonomia
A superioridade aérea, historicamente definida como a capacidade de impedir o inimigo de interferir nas operações de nossas forças terrestre e navais, está sendo redefinida pela “massa acessível”.
Caças tripulados modernos tornaram-se ativos preciosos demais para serem arriscados em ambientes de alta contestação (Anti-Access/Area Denial - A2/AD) sem apoio. O custo de um caça de 4.5 ou 5ª geração, somado ao custo impagável de treinar um piloto de combate ao longo de anos, cria uma aversão ao risco que pode paralisar comandantes.
A solução doutrinária emergente é o “Loyal Wingman”: UCAV de alto desempenho, geralmente com características stealth (furtivas) e IA (inteligência artificial) embarcada, que voam sob o comando tático do piloto humano, atuando como sensores avançados, iscas, ou plataformas de armas, absorvendo o risco cinético, ou seja, se expondo mais às defesas inimigas, poupando as aeronaves tripuladas.
A Vanguarda Turca: Bayraktar Kızılelma e a Autonomia Estratégica
Se o século XX foi definido pela supremacia aeroespacial americana e soviética, o início do século XXI testemunha a ascensão da Türkiye como uma superpotência de drones. A trajetória da indústria de defesa turca, liderada por empresas como a Baykar Technologies, oferece o estudo de caso mais relevante para o Brasil. Enfrentando embargos de armas de aliados nominais e ameaças existenciais em suas fronteiras, a Türkiye optou por uma estratégia de autossuficiência agressiva que culminou no desenvolvimento do Bayraktar Kızılelma, o primeiro caça não tripulado da nação.
Kızılelma: A Ruptura Tecnológica e Operacional
O Bayraktar Kızılelma não é apenas uma evolução linear dos drones de média altitude e longa duração (MALE) como o TB2 ou o Anka; ele representa uma mudança de categoria. Projetado como uma plataforma de combate aéreo, o Kızılelma possui uma fuselagem furtiva, capacidade de manobra agressiva e, crucialmente, motores a jato que lhe permitem operar em regimes transônicos e, futuramente, supersônicos.
Em novembro de 2025, um marco histórico foi alcançado no noroeste da Türkiye. Durante um teste de voo, o Kızılelma realizou um “abate” eletrônico simulado de um caça F-16. Este evento, amplamente divulgado pela mídia especializada e confirmando a maturidade do sistema, demonstrou a capacidade do drone de detectar, rastrear e engajar um caça de alto desempenho tripulado. O teste utilizou o radar AESA (Active Electronically Scanned Array) MURAD, desenvolvido nacionalmente pela ASELSAN, para travar o alvo e simular o disparo de um míssil ar-ar além do alcance visual (BVR) Gökdoğan.
Análise Técnica Comparativa: Kızılelma vs. Caças Tripulados
Para compreender a proposta de valor do Kızılelma para uma força aérea como a FAB, é necessário comparar métricas de desempenho e custo. Enquanto um caça de geração 4.5 como o Gripen E ou o F-16 Block 70 possui custos de aquisição e operação elevados, o Kızılelma oferece uma capacidade de combate “attritable” (que pode ser arriscada ou perdida sem colapso estratégico).
A tabela acima ilustra a assimetria econômica: uma força aérea pode operar aproximadamente 5 a 6 Kızılelmas pelo custo de aquisição e operação de um único caça tripulado moderno. Em um cenário de defesa aérea saturada, essa vantagem numérica permite táticas de enxame onde os drones absorvem os primeiros disparos das defesas inimigas, preservando os vetores tripulados para o ataque decisivo.
O Dilema da Propulsão: A Conexão Ucraniana e a Soberania de Motores
Apesar do sucesso em aviônica e aerodinâmica, o “Calcanhar de Aquiles” do projeto Kızılelma, e uma lição crítica para o Brasil, é a propulsão. A Turquia, apesar de sua base industrial avançada, ainda não domina completamente a produção de turbofans de alto desempenho. O Kızılelma depende de motores importados da Ucrânia: o AI-25TLT para as versões subsônicas iniciais e o AI-322F (com pós-combustor) para as variantes supersônicas.
A Motor Sich, fabricante ucraniana, é uma parceira estratégica, e a Baykar chegou a iniciar a construção de uma fábrica na Ucrânia para garantir o fornecimento. No entanto, a guerra contínua com a Rússia expõe essa cadeia de suprimentos a riscos extremos. O quarto protótipo do Kızılelma já voa com o AI-322F, aproximando-se da barreira do som, mas a dependência externa permanece uma vulnerabilidade.
Para mitigar isso, a Turquia está desenvolvendo o motor nacional TF6000, mas o ciclo de desenvolvimento de motores a jato é longo e complexo. Para o Brasil, que possui a Embraer mas carece de uma fabricante nacional de motores a jato (a despeito de projetos passados como o TR 5000), a estratégia turca de diversificar fornecedores (buscando a Ucrânia para fugir do ITAR americano) é instrutiva, mas também serve de alerta sobre os limites da autonomia sem soberania em propulsão.
Integração Naval: O Kızılelma no TCG Anadolu
Um aspecto do Kızılelma que ressoa diretamente com as ambições da Marinha do Brasil é a sua capacidade de operar a partir de navios de convés curto (STOBAR) ou navios de assalto anfíbio (LHD), como o TCG Anadolu turco. O Kızılelma foi projetado com capacidade de decolagem e pouso curtos, permitindo que a Turquia converta seu LHD em um verdadeiro “porta-drones” de fato, projetando poder aéreo de asa fixa sem a necessidade de aeronaves V/STOL caras e complexas como o F-35B.
Enquanto a Türkiye avança na fronteira dos sistemas não tripulados, o Brasil consolida sua modernização tripulada com a introdução do F-39 Gripen E/F. No entanto, a visão da Força Aérea Brasileira (FAB) transcende a aquisição de aeronaves; o objetivo é a construção de uma “força aérea em rede” (Network Centric Warfare - NCW), onde o Gripen atua como o nó central de um sistema de sistemas.
Gripen E: Mais que um Caça, um Gerente de Batalha
O F-39 Gripen não foi adquirido apenas por suas características cinéticas, mas por sua arquitetura aviônica aberta e capacidade de guerra eletrônica (EW). A suíte de EW do Gripen oferece cobertura esférica de 360 graus, permitindo não apenas a autodefesa, mas a atuação como uma plataforma de ataque eletrônico e coleta de inteligência (ELINT).
Link-BR2: A Espinha Dorsal da Soberania de Dados
A maior conquista tecnológica do programa de modernização da FAB talvez não seja uma aeronave, mas o desenvolvimento do Link-BR2. Diferente do Link 16, padrão da OTAN, que utiliza criptografia controlada pelos Estados Unidos e impõe restrições de soberania (tecnicamente, os EUA podem negar acesso às chaves criptográficas ou monitorar o tráfego em situações extremas), o Link-BR2 é um sistema nacional com criptografia brasileira, desenvolvido em parceria com a AEL Sistemas (subsidiária da Elbit Systems) e a Mectron.
Aspectos Técnicos e Operacionais do Link-BR2
O Link-BR2 opera através de Rádios Definidos por Software (SDR) da família E-LynX, instalados nas aeronaves. Testes recentes a bordo de caças F-5M modernizados validaram funcionalidades críticas:
Redes Ad-Hoc Móveis (MANET): O sistema permite que as aeronaves entrem e saiam da rede dinamicamente, atuando como retransmissores. Se um Gripen estiver fora do alcance da estação de solo, ele pode transmitir seus dados para um F-5M ou E-99M intermediário, que retransmite a mensagem, estendendo o alcance operacional para além do horizonte.
Multidomínio: O sistema conecta não apenas aeronaves (Ar-Ar), mas também estações de solo e, futuramente, navios da Marinha (Ar-Solo/Superfície), permitindo o fechamento rápido do ciclo “sensor-to-shooter” (do sensor para o atirador).
Waveforms (Formas de Onda): A arquitetura SDR permite que o rádio E-LynX opere com formas de onda nacionais para comunicação sigilosa e, simultaneamente, carregue formas de onda compatíveis com a OTAN para exercícios conjuntos ou operações de paz, garantindo interoperabilidade sem sacrificar a segurança.
A integração do Link-BR2 no Gripen E, no E-99M (aeronave de alerta aéreo antecipado) e nas estações de solo cria a infraestrutura necessária para a futura operação de drones “Loyal Wingman”. Sem um datalink seguro, de baixa latência e resistente a interferência (jamming), o controle de um drone de combate a partir de um caça seria impossível.
O E-99M e a Gestão do Espaço Aéreo
A modernização da frota de E-99 para o padrão E-99M pela Embraer é uma peça fundamental no quebra-cabeça. Equipado com o radar Erieye atualizado e novos sistemas de missão, o E-99M atua como o “olho de Deus” no teatro de operações. A capacidade de integrar o Link-BR2 permite que o E-99M coordene não apenas os caças, mas potencialmente enxames de drones no futuro, aliviando a carga cognitiva dos pilotos de Gripen. O contrato de modernização incluiu explicitamente a integração de sistemas de comando e controle avançados, preparando a plataforma para a guerra centrada em redes da década de 2030.
Mais significativo é o desenvolvimento e teste do drone nacional Albatroz, da Stella Tecnologia. Projetado para operar a partir do convés do NAM Atlântico, o Albatroz é um sistema MALE tático com autonomia de 24 horas, desenhado especificamente para o ambiente marítimo do Atlântico Sul. Embora o Albatroz seja primariamente uma plataforma ISR (inteligência, vigilância, reconhecimento), sua operação regular a partir do porta-helicópteros criará a doutrina e a experiência operacional necessárias para a eventual adoção de UCAV de combate navalizados, similares ao TB3 ou Kızılelma turcos.
Cenários de Ameaça e a Estratégia A2/AD
A aplicação de drones no Atlântico Sul responde a duas categorias de ameaças:
Ameaças Estatais e A2/AD: Em um conflito hipotético, a MB, em inferioridade numérica frente a grandes potências, adotaria uma estratégia de Negação de Acesso / Negação de Área (A2/AD). Drones de vigilância integrados a submarinos (classe Riachuelo e no futuro o nuclear Álvaro Alberto) e mísseis de superfície (MANSUP) formariam uma “kill web” (rede mortal). O drone detecta o alvo, transmite as coordenadas via Link-BR2/Satélite para um submarino ou fragata operando no regime EMCON (controle de emissões, ou seja, emitindo nada ou quase nada), que com base nas informações recebidas dispara seus mísseis sem ligar seus próprios radares, preservando sua furtividade.
Pesca Ilegal (IUU) e Crimes Transnacionais: A pesca ilegal, não reportada e não regulamentada (IUU), perpetrada por frotas de águas distantes (frequentemente chinesas), é uma ameaça à soberania econômica. O uso de navios-patrulha ou helicópteros tripulados para monitorar vastas áreas oceânicas é economicamente ineficiente. Drones embarcados no NAM Atlântico podem patrulhar milhares de km² por uma fração do custo, identificando infratores e direcionando os meios de interceptação apenas quando necessário. A visita recente do USCGC James ao Brasil, operando drones em parceria com a MB, destacou a eficácia dessa abordagem.
SisGAAz e o Monitoramento Costeiro
O Sistema de Gerenciamento da Amazônia Azul (SisGAAz) é o projeto guarda-chuva para a vigilância marítima. A recente seleção da SIATT, em parceria com o EDGE Group, para fornecer tecnologias de comunicação segura para o SisGAAz, indica a integração profunda de sensores costeiros, satélites e drones em uma única arquitetura de C4ISR (Comando, Controle, Comunicações, Computação, Inteligência, Vigilância e Reconhecimento). Isso permitirá que a MB tenha uma consciência situacional em tempo real de todo o tráfego marítimo no Atlântico Sul, fundamental para a defesa do Pré-Sal.
Parcerias Estratégicas: O Novo Eixo Fora da OTAN
A busca do Brasil por autonomia tecnológica tem impulsionado uma diversificação pragmática de parceiros. Reconhecendo que a dependência exclusiva dos EUA ou da Europa Ocidental carrega riscos de restrições de exportação e vetos políticos, o Brasil está forjando laços profundos com potências emergentes de defesa.
A Parceria Brasil-Türkiye: Um Casamento de Conveniência e Necessidade
A aprovação, em setembro de 2025, de um acordo de cooperação de defesa de cinco anos entre Brasil e Türkiye pelo Congresso Brasileiro é um divisor de águas geopolítico. Este acordo não é meramente protocolar; ele estabelece as bases legais para o co-desenvolvimento e a transferência de tecnologia em áreas críticas.
Sinergia Industrial: A Türkiye possui excelência em drones e mísseis, mas carece de tecnologia de aeronaves de transporte e aviônica civil, áreas onde a Embraer é líder global. A Embraer e a TUSAŞ (Turkish Aerospace Industries) assinaram memorandos que podem levar à produção de jatos comerciais E2 na Turquia e, crucialmente, abrem portas para a venda do cargueiro KC-390 para Ancara. Em troca, o Brasil ganha acesso ao ecossistema de defesa turco.
Mísseis e Motores: O Brasil já começou a importar tecnologia turca crítica. A empresa brasileira SIATT está integrando o motor turbojato KTJ-3200 (da Kale Arge turca) no míssil antinavio MANSUP-ER. O acesso a motores de mísseis, uma tecnologia sensível frequentemente bloqueada pelo regime MTCR (Missile Technology Control Regime), demonstra a disposição da Turquia em compartilhar tecnologias que os parceiros ocidentais tradicionais negam.
Potencial para Drones: Com o acordo em vigor, o caminho está aberto para que o Brasil adquira ou co-produza variantes de drones turcos, potencialmente adaptando o conceito do Kızılelma ou do Anka-3 para as necessidades da FAB, pulando décadas de desenvolvimento autônomo.
O EDGE Group (EAU) e o Investimento Estratégico
A parceria com o conglomerado estatal de defesa dos Emirados Árabes Unidos, o EDGE Group, injetou capital e vitalidade na base industrial de defesa brasileira.
Projeto MANSUP-ER: O EDGE Group adquiriu 50% da SIATT e está financiando o desenvolvimento do MANSUP-ER (versão de alcance estendido do Míssil Antinavio Nacional). Este projeto visa não apenas equipar a Marinha do Brasil, mas também exportar para os EAU e outros clientes, criando uma escala de produção que torna a indústria sustentável.
Sistemas Anti-Drone e SisGAAz: A colaboração se estende a sistemas de guerra eletrônica anti-drone e à infraestrutura do SisGAAz, áreas onde a experiência dos Emirados (adquirida em conflitos no Iêmen e Líbia) é valiosa para o Brasil.
Fuzileiros Navais: O EDGE Group também assinou acordos para fornecer sistemas antimísseis e tecnologias avançadas para o CFN (Corpo de Fuzileiros Navais), reforçando a capacidade de defesa de ilhas e plataformas de petróleo.
Israel e a Conexão Elbit
A relação com Israel, especificamente através da Elbit Systems e sua subsidiária brasileira AEL Sistemas, permanece a rocha sobre a qual a aviônica brasileira é construída. A disposição de Israel em transferir códigos-fonte e permitir que engenheiros brasileiros desenvolvam soluções nacionais (como o WAD do Gripen e o Link-BR2) criou um modelo de “autonomia assistida”. O rádio E-LynX é o padrão de fato para a comunicação segura da FAB, garantindo que, mesmo em um cenário de ruptura geopolítica, o Brasil mantenha controle sobre suas comunicações táticas.
Lições da Índia e Coreia do Sul
Coreia do Sul: O programa KF-21 Boramae, que prevê desde o início a operação com drones "Loyal Wingman" (MUM-T), é o modelo doutrinário mais próximo do que a FAB deve almejar. A Coreia, assim como o Brasil, busca independência tecnológica enquanto mantém alianças ocidentais.
Índia: O programa de drones furtivos Ghatak da DRDO serve como um alerta. Apesar de grandes investimentos, o projeto enfrenta atrasos significativos devido à incapacidade de desenvolver um motor nacional confiável (o motor Kaveri), forçando a Índia a buscar testes na Rússia. Isso reforça a tese de que o Brasil não deve tentar reinventar a roda em propulsão sozinho, mas sim buscar parcerias robustas para mitigar esse risco.
Desafios Tecnológicos e o Futuro da Doutrina FAB 2040
A transição para uma força aérea centrada em sistemas não tripulados e redes de dados enfrenta barreiras significativas que vão além da aquisição de hardware.
O Gargalo da Propulsão e a Base Industrial
O Brasil possui uma das indústrias aeronáuticas mais competentes do mundo (Embraer), mas ela é um “integrador” de sistemas, não um produtor de motores. UCAV de alto desempenho como o Kızılelma exigem turbofans compactos e potentes. A dependência de motores estrangeiros (sejam americanos, europeus ou ucranianos) é uma vulnerabilidade estratégica em tempos de guerra. A parceria com a Turquia para motores de mísseis é um começo, mas uma estratégia nacional de longo prazo para turbinas a gás é necessária para garantir a verdadeira soberania de um futuro “Loyal Wingman” brasileiro.
Inteligência Artificial e Autonomia Confiável
A operação de enxames de drones ou MUM-T exige níveis de autonomia que a IA atual apenas começa a arranhar. O controle de um drone em combate aéreo, decidindo engajamentos em frações de segundo, não pode depender de um piloto remoto via satélite devido à latência e à vulnerabilidade a interferência eletrônica. A IA deve residir “na borda” (on the edge), dentro do drone. A pesquisa acadêmica no ITA (Instituto Tecnológico de Aeronáutica) é de classe mundial, mas a tradução dessa pesquisa para algoritmos de combate certificados e robustos requer testes de voo intensivos e acesso a dados reais de combate, algo que parceiros como Israel podem fornecer.
A Doutrina “Força Aérea 100”
O plano estratégico “Força Aérea 100” da FAB reconhece a necessidade de modernização e integração de sistemas não tripulados. No entanto, a doutrina precisa evoluir de conceitos abstratos para táticas, técnicas e procedimentos (TTP) concretos. Como um piloto de Gripen comanda um drone? Quais são as regras de engajamento para um disparo autônomo? Como integrar o controle de tráfego aéreo de drones no espaço aéreo densamente povoado do sudeste brasileiro? Estas são questões que a FAB está começando a abordar, inclusive participando de fóruns da ONU sobre diretrizes de drones, mas que exigirão experimentação operacional real.
Conclusão e Recomendações
A análise do cenário global e das capacidades brasileiras indica que a integração de sistemas tripulados e não tripulados não é uma opção futurista, mas uma necessidade que já se faz urgente para a manutenção da relevância militar. O modelo de “alta qualidade e baixa quantidade” (apenas Gripen) é insuficiente para cobrir a vastidão do território brasileiro e defender seus recursos estratégicos de maneira eficiente por longos períodos de tempo.
O sucesso da Türkiye com o Kızılelma demonstra que potências médias podem quebrar o monopólio das superpotências em tecnologia aeroespacial avançada através de foco, pragmatismo e parcerias inteligentes. Para o Brasil, o caminho à frente deve envolver:
Priorização do Loyal Wingman: A FAB e a indústria de defesa devem lançar um programa concreto para o desenvolvimento ou aquisição de um UCAV de combate a jato, alavancando as parcerias com países como a Türkiye (Kızılelma/Anka-3) ou EAU, utilizando a Embraer como integradora principal.
Consolidação da Rede: O Link-BR2 deve ser expandido para todas as plataformas, incluindo navais e terrestres, criando uma verdadeira “internet de combate” nacional.
Doutrina Naval de Drones: O NAM Atlântico deve ser formalmente equipado e doutrinariamente adaptado para operar como um vetor de sistemas não tripulados, preenchendo a lacuna de defesa aérea e ataque da esquadra.
Soberania Inteligente: Manter o foco na nacionalização de componentes críticos (algoritmos, guerra eletrônica, comunicação), enquanto se aceita a interdependência em componentes de hardware complexos (motores), diversificando fornecedores para mitigar riscos de embargo.
A “Amazônia Azul” e o céu brasileiro só estarão seguros se vigiados por olhos incansáveis e defendidos por uma rede resiliente e letal. A era dos sistemas não tripulados oferece ao Brasil a ferramenta para alcançar essa segurança, desde que haja a vontade política e a visão estratégica para adotá-la.
Por Renato Henrique Marçal de Oliveira - Químico e trabalha na Embrapa com pesquisas sobre gases de efeito estufa. Entusiasta e estudioso de assuntos militares desde os 10 anos de idade, escreve principalmente sobre armas leves, aviação militar e as IDF (Forças de Defesa de Israel)
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