segunda-feira, 4 de janeiro de 2010

A crise do passado


O ministro da Defesa, Nelson Jobim, ameaçou se demitir. Mas Lula o segurou com promessas


Encerrada há quase 25 anos, a ditadura militar é um fantasma que, de tempos em tempos, volta a assombrar o país. Na semana passada, descobriu-se que ela causou uma crise no governo às vésperas do Natal. A semente foi a proposta de criação da Comissão Nacional da Verdade, para apurar crimes e violações de direitos humanos entre 1964 e 1985, incluída na terceira versão do Programa Nacional de Direitos Humanos. Por causa do texto, o ministro da Defesa, Nelson Jobim, rascunhou uma carta de demissão e procurou o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, no dia 22, na Base Aérea de Brasília, para entregar o cargo. Os comandantes das Forças Armadas (Exército, Aeronáutica e Marinha) foram solidários a Jobim e também ameaçaram sair. O final de ano do governo, que parecia tranquilo com a celebração dos bons resultados econômicos, quase azedou.

O Programa Nacional de Direitos Humanos havia sido apresentado pelo ministro Paulo Vannuchi, da Secretaria de Direitos Humanos, no dia 21. Na avaliação de Jobim e da cúpula militar, o texto seria “revanchista”, por tratar com desigualdade os agentes do Estado e os supostos contraventores da época da ditadura. O texto não prevê punição ou apuração dos atos cometidos por ativistas políticos, mas abre espaço para o julgamento de torturadores. Para Jobim, houve quebra de um acordo durante a elaboração do programa. Segundo o acerto, o texto mencionaria tanto as Forças Armadas quanto movimentos civis da esquerda armada de oposição ao regime militar como alvos de possíveis processos. Na versão apresentada, a menção aos movimentos civis foi suprimida. Há outros pontos que desagradam aos militares, como o que prevê a identificação, com o intuito de torná-las públicas, das estruturas usadas para violações de direitos humanos durante a ditadura.

O episódio é mais um capítulo da disputa dentro dogoverno pela revisão da Lei da Anistia

A discussão do programa é mais um episódio da disputa dentro do governo em torno da Lei de Anistia, editada em 1979. Um acordo político estabelecido na época assegurou anistia aos crimes cometidos tanto por militares que participaram da repressão, quanto por ativistas que lutaram contra a ditadura. Vannuchi, ao lado do ministro da Justiça, Tarso Genro, lidera um movimento pela revisão da lei. Jobim e os militares são contra. Os benefícios da lei e sua amplitude estão sob análise do Supremo Tribunal Federal (STF). Os ministros examinam uma ação aberta na Justiça Federal de São Paulo, a pedido do Ministério Público Federal, contra os ex-coronéis Carlos Alberto Brilhante Ustra e Audir Santos Maciel. Ustra e Maciel foram comandantes do DOI-Codi paulista, um dos mais ativos órgãos da repressão.

Para abafar a crise, Lula e Jobim costuraram um acordo provisório: o texto, que será enviado ao Congresso até abril, não afrontará as Forças Armadas. Se for preciso, a base governista será mobilizada para eliminar os textos considerados revanchistas pelos militares. Pelo menos por enquanto, a paz foi selada. Publicamente, Vannuchi afirma que Lula é o “árbitro” da situação e que o impasse pode ser sanado por uma simples escolha de palavras numa mesa de negociação. Vannuchi admite divergências com Jobim, mas diz que elas serão discutidas no interior do governo.

Antecessor de Vannuchi, o ex-ministro Nilmário Miranda discorda. “Não podemos aceitar vetos dos militares. Na democracia, o poder militar tem de se submeter ao poder civil”, afirma. “O direito à informação e aos corpos dos desaparecidos políticos é universal e não poderá ser exercido sem desagradar a parte dos militares que participou da repressão.” A discussão mostra que, apesar da Lei da Anistia, esse capítulo do passado o Brasil não conseguirá encerrar


Fonte: Epoca via Notimp

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