quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

Itamaraty é tido como 'anti-EUA', diz Amorim


O ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, disse ontem que o Itamaraty "sempre foi considerado antiamericano". A declaração foi uma tentativa de amenizar o impacto da divulgação de despachos da Embaixada dos EUA em Brasília. Os documentos revelam que o ministro da Defesa, Nelson Jobim, teria criticado a antipatia do Itamaraty com relação a Washington.

Amorim considera natural que embaixadas estrangeiras busquem informações sobre o País em órgãos oficiais que não o Ministério de Relações Exteriores. "Esse desejo sempre esteve presente", afirmou pouco antes de receber a premiação da revista Foreign Policy como o sexto mais proeminente "pensador mundial".

Amorim disse que leu o comunicado do Ministério da Defesa, no qual Jobim nega ter feito comentários sobre o Itamaraty ao então embaixador americano Clifford Sobel. De acordo com o despacho de Sobel ao Departamento de Estado, Jobim teria dito que o então secretário-geral das Relações Exteriores Samuel Pinheiro Guimarães odiava os EUA e adotava um comportamento antiamericano. "Quem dita a política externa não é o Samuel, mas o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e eu", disse.

Segundo Amorim, o conteúdo dos documentos do WikiLeaks sobre o Brasil são "percepções de diplomatas americanos" e não documentos oficiais. Questionado sobre as críticas de Sobel de que as leis brasileiras não tipificam crimes de terrorismo, o chanceler afirmou que é a definição de terror é muito ampla e não tem consenso na ONU.

A respeito das preocupações de vários países do Oriente Médio sobre o programa nuclear do Irã, reveladas em vários documentos vazados, Amorim manteve uma sólida defesa da estratégia do governo brasileiro. Segundo o chanceler, ele e o presidente Lula estiveram na Arábia Saudita e não ouviram nada similar ao teor dos despachos nos quais autoridades sauditas teriam pedido aos EUA o bombardeio de instalações nucleares iranianas.

Amorim citou a avaliação de duas publicações estrangeiras para defender o acordo nuclear assinado entre Brasil, Turquia e Irã, em 17 de maio. Segundo ele, o pacto "entrará para a história como a inauguração de um mundo multipolar".

De acordo com ele, o Irã concordou em negociar com Brasil e Turquia um acordo de troca de urânio enriquecido por combustível nuclear porque via os dois países como "bons garantidores". Outros países, segundo Amorim, não tinham esse grau de credibilidade, do ponto de vista de Teerã.

Na ocasião, relatou o chanceler, o Brasil sabia dos problemas no texto do pacto sobre o aumento do estoque e o enriquecimento de urânio pelo Irã. Mas, para Amorim, esses fatores não haviam sido mencionados como precondições pelos EUA, que teriam encorajado o País a buscar o acordo.

"Em algum momento, algum setor do governo americano passou a achar que as sanções eram mais urgentes e mais importantes do que as negociações", disse o chanceler, se referindo à reação de Washington, que anunciou, um dia depois, ter obtido os votos necessários para impor novas sanções a Teerã. "Hoje, vemos a retomada das negociações com o Irã, que terão como base o acordo de maio. Eu já disse: não vou cobrar direito autoral."

O ministro disse também que é necessária uma avaliação "cuidadosa" das eleições presidenciais no Haiti, consideradas fraudulentas por boa parte dos candidatos. As informações recebidas pelo Itamaraty da Missão da ONU para a Estabilização do Haiti (Minustah), da Organização dos Estados Americanos e do Caricom, segundo Amorim, mostraram que não houve incidentes violentos e as irregularidades não afetaram os resultados. "Tudo tem de ser visto de maneira relativa. É preciso ter muito cuidado e não entrar facilmente em condenações e críticas."


Relatos de Jobim à diplomacia americana irritam Itamaraty

Alvo dos mais recentes vazamentos de documentos da diplomacia dos Estados Unidos, pelo site Wikileaks, o ministro da Defesa, Nélson Jobim, irritou a diplomacia brasileira devido à informação de que teria confirmado ao governo americano o diagnóstico de câncer no presidente da Bolívia, Evo Morales. Segundo telegrama de 2009 a Washington, do embaixador Clifford Sobel, Jobim, após um encontro em La Paz entre Morales e o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, teria informado aos EUA que o governo brasileiro até ofereceu tratamento em São Paulo para o presidente boliviano.

A transmissão, a outro governo, de um suposto segredo de Estado de um aliado do Brasil é uma falta "grave", na avaliação de um graduado diplomata. No Palácio do Planalto, porém, o caso foi minimizado. Segundo um assessor de Lula com trânsito na equipe da presidente eleita Dilma Rousseff, o governo está decidido a não dar atenção a "telegramas de embaixador", e eventuais comentários de Jobim sobre Morales não teriam poder de afetar a relação com o governo da Bolívia. O governo boliviano negou ontem que Morales tenha tido câncer e informou que ele foi operado por médicos cubanos de um "desvio de septo".

Jobim também divulgou nota negando ter acusado o ex-secretário-geral do Itamaraty Samuel Pinheiro Guimarães de ter "ódio aos EUA", como consta em outro telegrama vazado no Wikileaks. Mas nada falou sobre Morales - que, recentemente, em uma cerimônia em La Paz, com Jobim, acusou os EUA de apoiarem conspirações contra o governo boliviano.

A rivalidade entre o Itamaraty e Jobim, cotado para permanecer ministro no governo Dilma Rousseff, é evidente na leitura dos telegramas confidenciais vazados na internet pelo Wikileaks. Os textos escritos em 2008 e 2009, pelo então embaixador Clifford Sobel, mostram que os americanos viam Jobim como seu maior aliado contra o Ministério de Relações Exteriores, no esforço para firmar acordos na área de Defesa com os EUA.

O acordo, alvo de repetidos contatos e viagens de autoridades dos dois governos, foi firmado apenas em abril de 2010, mas incluiu, discretamente, até permissão para missões de fiscalização em instalações militares e civis dos dois países.

O ministro Jobim é descrito, pelo embaixador, como "talvez um dos mais confiáveis líderes no Brasil". Sobel lembra que o ministro pertenceu ao Supremo Tribunal Federal e afirma que "ele mantém uma forte reputação de integridade que é rara entre os líderes brasileiros". Notando que o Itamaraty procurava encurtar e esvaziar a visita de Jobim aos EUA, onde o ministro queria tratar do acordo de Defesa, Sobel descreveu o ministro da Defesa como um homem decidido a "desafiar a supremacia histórica do Itamaraty em todas as áreas de política externa".

Numa avaliação do que significava ter Jobim no ministério, na época, Sobel prevê que Lula teria de dar a última palavra na disputa "entre um ministro da Defesa invulgarmente ativo e interessado em desenvolver laços mais firmes com os EUA e um Ministério de Relações Exteriores que está firmemente comprometido em manter controle sobre todos aspectos da política externa e manter uma distancia calculada entre o Brasil e os Estados Unidos".

Pelo relato de Sobel, Jobim se mostra um ministro afinado com algumas linhas gerais do governo Lula, como a reivindicação de transferência tecnológica no campo militar, a defesa de uma política de contenção, sem hostilidades, do governo de Hugo Chávez na Venezuela, a relutância em aceitar acusações de apoio às Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia por parte de governos vizinhos e a crítica aos EUA pelos obstáculos colocados no passado à venda de aviões da Embraer aos venezuelanos.

Mas, enquanto os diplomatas são descritos como um "problema" no esforço por um acordo de Defesa, Jobim foi descrito como um aliado que permitiria uma aliança com o Brasil nesse campo passando por cima do Itamaraty. O acordo assinado somente em 2010, de fato, colocou o ministério da Defesa como único responsável pelas medidas necessárias para por em prática a cooperação entre Brasil e EUA.

O comportamento de Jobim descrito por Sobel nos telegramas confidenciais vazados ontem mostra que, na tentativa de assegurar a confiança dos americanos, o ministro chegou a entrar em detalhes sobre o delicado tema da doença de Evo Morales, tratado com Lula durante visita do brasileiro a La Paz, em janeiro de 2009. Jobim, diz Sobel, teria dito que Lula ofereceu a Morales exames e tratamento em um hospital de São Paulo.

Embora houvesse relatos públicos de que Morales sofria de "sinusite aguda", Jobim, segundo Sobel, teria dito que os problemas sentidos pelo boliviano eram "na verdade, causados por um sério tumor e a cirurgia seria uma tentativa de removê-lo". Jobim teria dito, inclusive, que o tumor poderia explicar por que Morales parecia extraordinariamente distraído nos encontros da época. O tratamento teria sido adiado, porém, segundo o ministro, até o referendo constitucional previsto para o fim daquele mês, na Bolívia. O Ministério da Defesa não quis se pronunciar sobre o relato de Sobel a respeito de Jobim e Morales.

Fonte: Estadão / Valor Econômico

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